domingo, 14 de novembro de 2010

Às vezes, a ajuda atrapalha

Às vezes, a ajuda atrapalha...
Rede Saci
12/11/2010
Crônica de Adriana Lage comenta sobre como uma ajuda desajeitada pode prejudicar a pessoa com deficiência
Adriana Lage
Com mais de 20 anos de cadeira de rodas, sempre contei com a ajuda das pessoas, sejam elas conhecidas ou não, para lidar com a falta de acessibilidade nos diversos
lugares que freqüento. Houve melhorias significativas na acessibilidade ao longo dos anos, mas o caminho a ser percorrido ainda é longo. Sem essas pessoas, a vida
seria muito mais difícil!

Normalmente, as pessoas sempre estão dispostas a ajudar um cadeirante. Sempre brinco que ajuda nunca falta. Pode até demorar um pouquinho, mas sempre chega. Só
que, em muitos casos, o excesso de boa vontade se esbarra na falta de jeito, medo ou pressa. A seguir, contarei algumas situações ‘desastrosas’ pelas quais passei
ao ser ajudada por pessoas bondosas, porém, sem jeito algum!!
Meu último acidente foi no sábado passado. Ainda estou com um galo cantando na minha cabeça e sentindo dores. Fui a um Shopping de BH, reformado recentemente, lanchar
e pegar um táxi. Sou cliente de lá há anos. Sempre estive em contato com a administração pedindo mais acessibilidade – por exemplo, mais elevadores, espelho no
banheiro de cadeirante e um tratamento adequado por parte dos taxistas que ficam no ponto dentro do shopping (bastava chegar com a cadeira de rodas que começavam
o empurra empurra e as desculpas para não fazer a corrida comigo). Excepcionalmente, fui a pé para o shopping. Na entrada, existem dois degraus. Minha mãe já está
acostumada a descer minha cadeira de rodas sozinha nesses casos. Mas, logo que nos viram, um segurança e um transeunte correram para nos ajudar. Eles nem perguntaram
o quê deveriam fazer, também não nos deram tempo de falar nada. Resultado: quando percebi, numa fração de segundo, a cadeira tombou para trás e bati minha cabeça
no chão. Minha mãe ainda tentou amortecer meu tombo me puxando pelos cabelos. Uma poça d’água também amorteceu a queda. Levei um susto danado. A dor foi muito forte.
Tremi toda. Por sorte, o corte foi pequeno e logo parou de sangrar. Fui atendida no ambulatório do shopping. Ri demais com a reação da técnica de enfermagem: a
mulher ficou totalmente transtornada quando descobriu que eu era cadeirante de verdade. Custou a me liberar. Ficou com muito medo. Pelo visto, está acostumada a
lidar com pessoas dilaceradas, mas ainda tem receio com cadeirantes... No dia seguinte, entrei em contato com o Shopping comunicando o ocorrido e sugerindo a colocação
de rampa no local. Na terça feira, me retornaram querendo saber se eu estava bem. A atendente lamentou o ocorrido e me disse que a rampa está prevista para ser
feita no início de 2011. Pelo sim, pelo não, voltei ao médico na 2ª feira. Felizmente, não foi nada sério. Agora é só aguardar mais uns dias com a cabeça doendo...
Na minha época de universitária, levei dois tombos fantásticos na PUC. O campus ainda não era acessível. Para chegar a minha sala de aula e aos laboratórios em
outros prédios, era preciso subir escadas ou dar voltas e voltas em busca de caminhos mais fáceis. O primeiro tombo foi no 1º semestre do curso. Três colegas foram
me descer pela escada. Não sei bem qual foi a causa do tombo. Quando percebi, a cadeira foi tombando para frente. Foi aquele barulhão! Disquetes, calculadoras HP,
fichários... Rolaram escada abaixo. Por sorte, um dos meus colegas me segurou pela blusa. Fiquei ajoelhada no chão, com o braço direito agarrado na cadeira. Acabei
machucando meu joelho. Quando me voltaram para a cadeira de rodas, fiquei boba com a multidão que havia se juntado na escada. Meus colegas morreram de vergonha
e até hoje me pedem desculpas.
No semestre seguinte, a queda foi mais espetacular. Estávamos voltando de uma aula no prédio 3, que fica próximo à entrada principal do campus, e indo para nosso
prédio, que era um dos últimos. O tempo estava nublado, ameaçando cair uma tempestade. Meu ‘motorista’ resolveu apertar o pé para fugirmos da chuva. Ele resolveu
passar pela grama e saiu correndo com a cadeira. Estava tudo dando certo, até que encontramos um buraco. Meu colega tentou freiar a cadeira, mas não deu certo.
Acabei caindo da cadeira. Voei com tudo na grama. Meu colega ficou branco e tremendo. Os outros colegas entraram em pânico e queriam ligar para o SAMU. Tentei acalmá-los
falando que estava bem e que precisava apenas que alguém me apanhasse da grama e me voltasse para a cadeira de rodas. O motorista nunca esqueceu o episódio. Até
hoje morre de vergonha de mim. Um ano depois, construíram uma rampa no prédio em que estudava. A Universidade começou as obras de acessibilidade e hoje é um exemplo
nesse quesito!
Depois desses dois acidentes, resolvi adaptar um cinto de segurança nas minhas cadeiras de rodas. Como sou tetraplégica, sempre sinto medo quando preciso subir/descer
escadas. O cinto evitou várias quedas da cadeira: buracos nas ruas, pequenas pedras, motoristas malucos que inventam descer degraus altos de frente, etc... Tenho
alguns parentes que me chamam de chata e esnobe. Não tem jeito! Quando perco a confiança em algum motorista, é difícil convencer meu cérebro a dar uma segunda chance...
O cinto de segurança também me salvou de cair na escadaria da Igreja do Bonfim. Li, em um guia de turismo acessível, que a Igreja possui uma rampa na lateral. Quando
desci do carro, três vendedores ambulantes já foram me carregando escadaria acima. Tentei falar com eles que queria ir pela rampa, mas não me escutaram! Se não
fosse o cinto, teria caído da cadeira.
Quando preciso de ajuda, sempre que possível, explico antes qual é a melhor maneira de me ajudar. Mostro, inclusive, em quais locais poderão pegar na cadeira de
rodas. Muitas pessoas desconhecem que as cadeiras de rodas possuem peças móveis. A maioria entende numa boa e faz tudo certinho. Outros ficam chateados e acham
que estou querendo muito... Mesmo assim, prefiro passar por chata e sair inteira do que correr riscos de quedas...
Outro problema sério ocorre quando preciso ser carregada. Muitas pessoas não têm o menor jeito para isso... Por exemplo, em minha última viagem para Maceió, o guia
turístico resolveu me carregar com o motorista. Cada um pegou uma perna e um braço. Quando desci da van, quase fui quebrada!! Minha prima me disse que parecia cena
de exame ginecológico. Ela ficou tão revoltada que foi ensiná-los a me carregar de outra forma: um pegava nas pernas e outro embaixo dos braços. Nos outros dias
de passeio, o motorista resolveu me carregar sozinho – como se carrega noivas, já que peso menos de 50 kg – e deu tudo certo.
Já passei aperto para entrar e sair do carro. Às vezes, tenho a impressão que muitas pessoas pensam que cadeirante não deve ter sensibilidade nas pernas. Cansei
de machucar meu pé ao ser colocada/retirada do carro por seguranças no banco em que trabalho. Quando o pé fica preso em algo, ao invés deles voltarem e olharem
o que aconteceu, simplesmente dão um tranco na perna. É sempre traumático. Sempre explico antes. Mas algumas pessoas se sentem ofendidas quando ensino outra forma
e ainda reclamam que “a aleijada está pegando o boi de ser ajudada e ainda vem com tric tric pro meu lado”.
Pessoas fracas que tentam subir ou descer a cadeira em locais inclinados também aceleram meus batimentos cardíacos. Tive uma professora de geografia no CEFET, que
era bem velhinha e que só andava de salto alto. Certo dia, ela resolveu descer a rampa comigo. Mal começamos a descê-la e foi aquela gritaria. A professora já ia
soltando a cadeira e, por sorte, caiu de bunda no chão e deixou a cadeira virar por cima dela. Como o barulho foi grande, logo chegou ajuda para nos salvar. Em
outros casos, a pessoa é forte, mas o sapato é que escorrega na descida!! Certa vez, repeti essa cena com minha irmã em um show do César Menotti e Fabiano. Quando
chegamos, os seguranças não ofereceram ajuda e continuaram conversando. Como está acostumada a fazer isso, minha irmã começou a descer a rampa comigo. O sapato
dela deslizou e caímos! Por sorte, ela não se machucou. Eu quebrei a pulseira dela com minha cabeça e ganhei um pequeno galo. Nunca vi tanto segurança a nossa volta.
Um deles queria nos levar para a ambulância de todo jeito. Durante o show, de tempos em tempos, ele nos perguntava se estava tudo ok.
Enfim, enquanto não tivermos cidades 100% acessíveis, sempre necessitaremos de ajuda. É óbvio que muitos acidentes não ocorreriam se não existissem barreiras arquitetônicas.
Felizmente, a maioria das pessoas sempre está disposta a nos ajudar. O difícil é saber explicar qual a melhor forma de ser ajudado sem magoar quem nos ajuda.
Aos ajudantes de plantão, seguem algumas dicas:
- Na dúvida, o melhor é sempre perguntar o quê e como deve ser feito?!
- Caso se sinta inapto ou tenha medo, avise ao deficiente e tente arrumar outra pessoa para ajudá-lo. O mesmo vale para problemas de saúde. Muitas pessoas se sentem
mal ao recusarem assistência a uma pessoa com deficiência por possuírem dores na coluna, hérnias e outras restrições médicas. Ninguém é obrigado a ajudar ninguém.
Ainda mais quando possui restrições médicas!! Seja sincero! O deficiente entenderá perfeitamente a situação.
- Não se ofenda caso o deficiente recuse sua ajuda. Às vezes, a pessoa consegue se virar melhor sozinha.
- Tenha calma e cuidado. Por exemplo, na hora de descer uma escada com a cadeira de rodas, lembre-se que serão 2 ou 3 pessoas sincronizando os passos para não caírem
juntamente com o cadeirante.
- Para descer rampas e degraus com a cadeira de rodas, lembre-se sempre de virá-la de costas. É mais seguro para todos!!
- Lembre-se que as cadeiras de rodas, atualmente, são desmontáveis. Confirme com o cadeirante o melhor local para segurá-la;
- O cadeirantes é um ser humano como qualquer outro. Possui qualidades e defeitos. Não é feito de cristal. Cuidado é fundamental, mas pequenos esbarrões e acidentes sempre ocorrerão. Nessas horas, nada de pânico! O bom humor é sempre o melhor remédio..

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